47 gramas: texto para emagrecer

O suor desce por trás da nuca molhando os cabelos presos, o suor surge nas axilas, o suor escorre por debaixo dos peitos, o suor atravessa as costas da Gorda. Em “116 gramas: peça para emagrecer”, Letícia Rodrigues constrói uma performance em forma de uma aula de ginástica, com o objetivo de emagrecer 116 gramas, número este que, ela cita, simboliza “glória, beleza e amor”. Os espectadores acompanham a atriz deixando literalmente uma parte de si no palco. Este texto está sendo escrito de forma deambulatória durante uma hora, com o objetivo de perder 47 gramas e deixar, com menos suor, uma parte de mim. 

O público é recebido com uma garrafa de Pepsi sem açúcar - que contém 200 gramas -, e é convidado a sentar-se nas arquibancadas do Teatro do Contêiner para assistir por alguns minutos uma série de propagandas da mesma marca de refrigerantes. Nos vídeos, uma figura magra, branca, loira e alta se repete: é Britney Spears, que aparece como o ideal de beleza que seria perseguido por Letícia desde os dez anos de idade. A idealizadora do espetáculo narra com muita comicidade, ao som de “...Baby one more time”, sua trajetória dolorosa de toda uma vida desejando um corpo que não é e que nunca foi parecido com o seu. Desde sua infância, ela procurou médicos em busca do emagrecimentos, se inscreveu em aulas de vários estilos diferentes de dança, fez a dieta da sopa, a dieta da proteína, a dieta vegetariana, a dieta vegana, a dieta da USP, só não se deixando levar pela dieta da morte, aderida pela cantora das publicidades.

Entre comentários irônicos, uma trilha sonora com músicas da cultura pop e projeções que referenciam uma estética “fitness”, o público mergulha na narrativa com leveza e não se prepara para o soco no estômago que vem a seguir. Letícia diz que seu objetivo é perder toda a gordura, que representa 50% do seu corpo. “Quero eliminar metade de mim”. Ela cita diversas celebridades que têm fama, dinheiro e que são consideradas “normais” por terem um Índice de Massa Corporal (IMC) ideal e questiona: “Se o mundo não é para pessoas como eu, ele é para quem?”. Ela se vê fora da normalidade nos consultórios médicos e nos palcos. Sua busca pela magreza é também uma busca pelo direito de ser atriz.

Letícia encontra-se nua, com luvas de boxe, dividindo o palco com um cisne de plástico pendurado no teto. Ela diz que não adere ao Body Positive, um movimento que surgiu no fim dos anos 2010 nas redes sociais promovido majoritariamente por mulheres gordas e que visa tornar positivas características corporais historicamente consideradas negativas. “Para ser body positive, é preciso amar. E eu não amo. Eu odeio”. O palco transforma-se em um ringue e Letícia tenta matar o cisne, corporificando sua frustração de nunca ter sido permitida de representar o cisne que morre ao final da célebre obra de Tchaikovsky. 

Ela bate na ave e dança como uma, em uma performance mesclada com imitações de poses que Britney fazia nas propagandas para mostrar latas de alumínio e garrafas plásticas. A atriz, furiosa, lista o que a faz sentir tanto ódio: alguém lhe dizer que ela é bonita de rosto, o fato dela sentir vergonha de comer em público, sua mãe a ter levado ao Vigilantes do Peso ainda criança, sentar nas cadeiras amarelas da Skol, passar na catraca do ônibus ou ver o público conseguindo cruzar as pernas. “Dentro de mim há uma guerra: eu contra mim mesma”. Letícia Rodrigues, então, deixa no palco muito mais que 116 gramas, mais que uma atuação com qualidade que reivindica seu título de atriz, mais que uma dramaturgia-manifesto extremamente íntima. Talvez, seja por ser uma baleia que ela nada tão bem por entre as gotas de suor.

Ficha técnica:
"116 gramas: peça para emagrecer"
Idealização, dramaturgia e atuação: Letícia Rodrigues
Direção: João Pedro Ribeiro e Letícia Rodrigues
Direção de arte: Eliseu Weide
Direção de movimento e coreografia: Luaa Gabanini
Direção musical: Natália Nery
Composição e arranjo de trilha sonora: Lana Scott e Natália Nery
Gravação e mixagem: Lana Scott
Técnica e operação de som: Lana Scott
Direção e edição audiovisual: Lana Scott
Motion graphics: Pablo Vieira
Mapping e operação de vídeo: Lana Scott
Desenho de luz: Camille Laurent
Operação de luz: Felipe Stucchi
Coordenação de produção: Leo Birche
Produção: Jéssyca Rianho
Comunicação visual e fotografia: Maria Luiza Graner

Subscribe to Citrica

Don’t miss out on the latest issues. Sign up now to get access to the library of members-only issues.
jamie@example.com
Subscribe