Possibilidades políticas do drama
Este texto faz parte da iniciativa "Capivara Cítrica", uma colaboração da Cítrica Crítica com A Capivara Crítica e também está disponível no Instagram @capivaracritica. Quem escreve aqui é Danni Vianna, da Capivara.
Seria a ficção menos verdadeira do que o documento, ou justamente através dela encontramos as contradições difíceis de encarar? O teatro chileno contemporâneo parece resistir ao impulso de abandonar o drama, algo que se tornou comum em muitas produções brasileiras, especialmente paulistanas. Enquanto por aqui há uma inclinação crescente ao teatro documental, que frequentemente aposta em expor o problema diretamente, Painecur, do grupo La Familia Teatro, reafirma o potencial da situação ficcional para conduzir análises sociais densas e contraditórias.
A obra apresenta um grupo de estudantes de Direito que se depara com o sacrifício ritual de uma criança mapuche na década de 1960. O embate central não está apenas na investigação do fato em si, mas no confronto com as próprias limitações éticas e culturais dos jovens protagonistas, cuja formação jurídica se choca com um universo indígena que não compreendem plenamente.
Enquanto o teatro paulistano poderia abordar esse tema com artistas assumindo em cena suas dúvidas e tensões, expondo diretamente seus conflitos diante da questão indígena, Painecur opta pelo caminho da situação dramática: construir personagens complexos que, em sua própria contradição, revelam os dilemas éticos e sociais em jogo. Essa escolha não enfraquece a obra — ao contrário, permite uma exploração sentipensante das tensões contemporâneas chilenas, com personagens que não são apenas figuras discursivas planas, mas sujeitos ambíguos que tentam desesperadamente entender e conviver com um "outro" que lhes escapa.
Se o teatro documental muitas vezes busca a exposição discursiva do problema, Painecur sugere que a ficção ainda é capaz de nos fazer sentir e pensar simultaneamente. Nesse sentido, reafirma a potência do drama como um espaço privilegiado para lidar com as contradições do presente, objetivando-as em uma situação criada ficcionalmente a partir de documentos. Longe dos dramas e documentários moralizantes, La Familia construi uma situação à altura do documento, produzindo no espectador a necessidade de assumir posições reais frente aos impasses vividos ficcionalmente.
Este texto faz parte da parceria "Capivara Cítrica", uma união da Cítrica Crítica com A capivara crítica (@capivaracritica), que surgiu em meados de 2022 a partir de algumas perguntas: Qual o lugar dos estudantes universitários junto à produção de crítica teatral hoje? Há espaço para falar sobre crítica teatral em plataformas como o Instagram? Mais do que uma tentativa, a página é uma procura por novos espaços críticos a serem ocupados por dois estudantes universitários de Artes Cênicas na USP, Bárbara Freitas e Daniel Vianna. Bá e Danni escrevem sempre duas críticas sobre um mesmo espetáculo. Neste texto, a perspectiva é de Dani Vianna, da Capivara Crítica
Ficha técnica:
"Painecur" - La Família Teatro
Dramaturgia e direção: Eduardo Luna
Assistente de direção: Nicole Morales
Assessoria Dramatúrgica e Design Gráfico: Javier Alvarado
Elenco: Pamela Alarcón, Sebastián Silva Rodríguez, Alexis Moreno Venegas e Felipe Lagos
Desenho Teatral: Karla Rodríguez e Javiera Severino
Composição Musical: Daniel Cartes
Design de Som: Franco Peñaloza
Design e Produção Audiovisual: Pelochuzo Producciones
Preparação Atoral: Daniela Venegas
Realização Cenográfica: Gian Reginato
Equipe de Produção: Nicole Morales, Karla Rodríguez e Javiera Severino
Produção São Paulo: Palipalan Arte e Cultura